Um pedido de informações encaminhado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, solicita um plano de ação para evitar a contaminação por coronavírus (Covid-19) em larga escala nas favelas e periferias brasileiras
Como embasamento do pedido, o documento destaca a alta densidade populacional das favelas e periferias e a proximidade das casas nessas áreas, o que dificulta o isolamento. Além disso, a procuradora também cita o saneamento básico precário na região, com pouco ou nenhum acesso à água potável, que torna difícil a adoção das providências recomendadas para evitar a transmissão do coronavírus.
Por fim, o documento destaca que “o quadro estrutural de desigualdade existente na sociedade brasileira não pode ser potencializado em momentos de pandemia, o que significa dizer que grupos historicamente subalternizados devem merecer atenção prioritária, uma vez que já estão, especialmente em termos de saúde pública, em situação de desvantagem em relação ao restante da coletividade nacional”.
Na visão da presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA), Eleonora Mascia, a partir do enfrentamento de uma pandemia que atinge em cheio os grandes centros urbanos, as políticas públicas sanitárias e urbanas precisam estar integradas e o direito à Arquitetura e Assistência Técnica é parte desta mudança.
“O mundo que conhecemos não será o mesmo após o coronavírus. Mudam a saúde pública, as relações econômicas e de trabalho, mas também é preciso conquistar uma nova estrutura social para as cidades”, afirma. A presidente, ao lado de ex-presidentes da FNA e demais arquitetos e urbanistas brasileiros, assinou carta aberta que estabelece planos de ação de curto, médio e longo prazo para frear as consequências do Covid-19.
Carta Aberta e em Constante Construção
Covid19, Urbanismo e Vulnerabilidade
Por tempos arquitetos e urbanistas retiraram-se da pauta sanitarista, porém é hora de retomarmos, utilizando as ferramentas que temos disponível e as condições de possibilidades científicas que temos ao nosso alcance. O primeiro ponto é compreender que operar, pensar e trabalhar a cidade não é uma tarefa simples, e muito menos uma tarefa que está nas mãos apenas dos arquitetos. A construção de cidades democráticas e que sejam capazes de sair desta calamidade com equidade e justiça passará por um processo interdisciplinar constante de relações humanas.
Este documento é parte de um processo construtivo coletivo cujo principal intento é pensar os procedimentos de controle de pandemias em áreas de vulnerabilidade social e espacial. Um processo como o que estamos vivendo exigirá de todos nós grandes esforços de construção de um novo paradigma. Não podemos repetir erros do passado que nos assolam, mas também não podemos negar os processos históricos e com eles devemos aprender.
É possível que estejamos em uma mudança paradigmática da sociedade e com esta mudança todo o sistema se impacta. De certo neste momento não teremos respostas prontas ou definitivas, estamos no momento dos fatos, porém com nossas condições de possibilidades caminharemos em proposições.
A luta agora é pelo direito básico à vida, e esta luta é global. Temos que aprender com as operações bem sucedidas, e acima de tudo aprender a colaborar e sermos parte de um todo. Nossa proposta não visa resolver ou fechar todas as soluções, mas visa ser um movimento que se integra a outros em caminho de partilha e de construção contínua do debate, das proposições e das ações.
Se por um lado pensamentos históricos produziram cidades planejadas, espraiadas e negaram a cidade existente na busca das soluções mais salubres, hoje nosso grande desafio é pensar e conceber soluções para a cidade como ela é. Esta cidade já vivida e concebida por todos. Precisamos pensar em um urbanismo onde a solidariedade de garantir o sabão para lavar as mãos se torne tão ou mais importante que a construção de portos maravilhas. Pensamos assim a cidade por um viés da partilha e do traço de estratégias que não a neguem neste momento.
Dar água e sabão a quem necessita é urbanismo!
Em meio ao labirinto que a nova conjuntura nos traz seguimos produzindo para o comum, para a garantia do direito à vida digna de todos os cidadãos. Cumprir nosso papel que em princípio pode seguir aqui por duas diretrizes:
1 Conscientização: trabalhar com constância para chamar a atenção para essa realidade.
2 Planejamento e construção: preparar os territórios para novas situações como a que estamos enfrentando.
Antes de sermos nossas profissões, nossos cargos e títulos, somos cidadãos e como tal, a nós cabe pensar e trabalhar para o bem estar de todos os que como nós são cidadãos. Trabalhando na garantia dos direitos mais básicos instituídos por nossa Constituição Federal, em especial destacamos o
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Temos sistematizado nossas ideias em dois eixos, sendo eles a proteção e atendimento; e em 3 temporalidades: soluções e propostas emergenciais, de médio prazo e estruturantes para longo prazo.
Apresentamos abaixo pontuações a respeito do primeiro eixo debatido por este grupo: Proteção no entendimento do que devemos e podemos fazer para garantir as redes de proteção e ação destinada às pessoas de mais vulnerabilidade social.
Frentes de ação
1. Proteção
1.1 – emergencial
• Informar, Conscientizar, Informar!
• Garantir e articular itens de limpeza, e campanhas do mesmo para locais de vulnerabilidade social.
• Criar e participar de uma rede de diagnóstico fortalecendo os agentes de saúde comunitária e participarmos junto a eles no que for necessário para garantir salubridade ao local.
• Garantir e auxiliar no cuidado dos espaços para que se cumpra o isolamento social dos cidadãos que assim o podem
• Lutar em conjunto na defesa da renda básica universal a todo cidadão precarizado que está em situação emergencial.
• Elaborar mapeamento voluntário (a princípio) de problemas na cidade e dos territórios mais infectados.
• Incentivar que hotéis, escolas e universidades possam ser adaptados temporariamente para que possam receber moradores de favelas que estão no quadro de vulnerabilidade e não tem condições de salubridade nas residências em que vivem. Garantindo para estes um raio de proximidade de sua casa original.
• Garantir ações emergenciais de arejamento nos ambientes dos mais vulneráveis.
• Uso solidário de sistemas de locação compartilhada de quartos e imóveis para familiares que têm necessidade de se manter em isolamento mas não tem condições.
• Realizar ações táticas de saneamento emergencial.
• Averiguar as condições de salubridade em ambientes carcerários
1.2 – médio prazo
• Fortalecimento de políticas públicas de ATHIS relacionadas à inadequação de domicílios, pensando a salubridade caso a caso.
• Fortalecimento da política de saneamento, meio ambiente e investimentos em urbanização de favelas;
• Apoiar e participar da implementação de comissões inter-entidades e sociedade civil que tenha como foco o cuidados sanitaristas e o patrocínio a saúde.
• Monitoramento constante com acesso livre a população sobre a utilização e direcionamento dos recursos públicos pela internet
• Implementação de comissões populares de monitoramento dos planos emergenciais e dos gastos públicos utilizados com estes planos.
• Garantir articulação em redes por parte destes grupos
• Organizar pólos de ação na cidade que tenham funcionamento efetivo no controle de pandemias e outras questões estratégicas.
• Construir observatório popular de grandes crises sociais e urbanas, formados por membros da sociedade civil, dos pólos de pesquisa afins e das entidades profissionais organizadas.
• Sabendo que o Brasil possui atualmente a terceira maior população carcerária do mundo, e que esta população vive em espaços superlotados e com precário acesso à higiene, atuar em prol da redução do fluxo de ingresso no sistema prisional e da garantia de melhores ambientes nas prisões. Tal medida vai de encontro a uma estrutura que oprime o julgado/condenado e que dificulta a sua posterior reinserção na cidade
1.3 – longo prazo
• Instituir controle permanente de doenças viróticas aéreas.
• Manter as comissões constituídas e de cunho popular como parte integrante dos sistemas de produção e elaboração de políticas públicas.
• Fortalecer a participação popular na tomada de decisão e projetos urbanísticos e arquitetônicos com cuidados de se cumprir a função social do território respeitando o direito coletivo acima do direito privado.
• Estruturas estratégicas como recursos hídricos fluviais e pluviais, recursos energéticos e de saúde sejam declarados bens comuns. Garantindo-se assim que o coletivo esteja acima do privado no seu uso e gestão.
Ações e lutas a serem traçadas junto a órgãos públicos, instituições e demais entidades
• Cobrar anistia e suspensão de tributos, contas de luz, contas de água, condomínio, aluguéis ou similares.
• Cobrar que sejam feitos testes para casos graves na cidade formal e teste em massa em áreas de aglomerações e favelas, para termos controle dos portadores não sintomáticos.
• Colaborar para garantia da eficácia da execução do artigo 196 da Constituição Federal de 1988, direito à saúde pública de qualidade.
• Garantir que o funcionário que esteja em quarentena não seja demitido ou tenha salário reduzido.
• Atuar junto às demais entidades e sociedade civis na garantia de direitos de dignidade a vida, a saúde e a cidade a todos os brasileiros.
• Defender a liberação por tempo emergencial de patentes de itens tecnológicos que sejam necessários e que impactem diretamente na garantia de salubridade dos territórios em todas as suas escalas.
• Defender a liberação de cobrança de direitos de copyright de produções científicas que sejam necessárias e que impactem positivamente na garantia de salubridade dos territórios em todas as suas escalas.
• Defender políticas de infraestrutura urbana que garanta a equidade e justiça social
Subscrevemos este documento. Uma rede de profissionais e estudantes, arquitetos de ofício, militantes de movimentos, representantes de instituições e entidades. Independente de tudo, estamos nesta luta comum por um urbanismo que pense a cidade como ela é que assume o desafio desta luta pela vida.
Rodrigo Bertamé — Arquiteto e Urbanista — mestre pelo Prourb/UFRJ – presidente do SARJ.
Margareth da Silva Pereira — Arquiteta, Urbanista professora Prourb/UFRJ.
Debora Santos Gonçalves de Bento — Socióloga/UCAM, Especialista em Política e Planejamento Urbano/IPPUR-UFRJ, Professora de Sociologia da Rede Estadual / RJ
Andrea Borges, D.Sc. UFRJ, Arquiteta Gerar Arquitetura. Professora Mestrado em Desenvolvimento Local — Arquitetura e Urbanismo UNISUAM | UVA.
Eric Gallo, Arquiteto e Urbanista. Mestrando FIOCRUZ.
Valéria Fialho — Arquiteta e Urbanista.
Alyne Reis, Arquiteta e Urbanista. Mestranda UFRRJ.
Izabela Factorine, Estudante de Arquitetura e Urbanismo.
Luis Fernando Gomes Pereira — Estudante de Arquitetura e Urbanismo USU — Morador do Morro da Providência (1° Favela do Brasil).
Caroline Pereira — Estudante de Arquitetura e Urbanismo.
Cláudia Pires — Arquiteta Urbanista e Professora — Comentarista de Urbanismo
Mariana Estevão – Arquiteta e Urbanista, presidente da ONG Soluções Urbanas, Conselheira Fiscal do SASP.
Bárbara Boy — Arquiteta e mestranda em Urbanismo — Prourb/UFRJ.
Renata Manhães Galiaço — Arquiteta e Urbanista FAU/UFRJ — Arquiteta Estatutária da Prefeitura Municipal de Arraial do Cabo — Especialista em Turismo: Gestão, Economia e Cultura — IE/UFRJ — Mestre em Arquitetura e Urbanismo — PPGAU/UFF.
Natália Cidade — Arquiteta e Urbanista — doutoranda no IPPUR/UFRJ.
Dilton Lopes — Arquiteto, Urbanista e Professor da FAUFBA.
Alinne Christiny — Arquiteta e Urbanista — Especialista em Avaliação, Auditoria e Perícia; Esp. em Desenvolvimento e Projeto de Estruturas e Fundações — IPOG.
Clarissa da Costa Moreira — Arquiteta Urbanista. Professora EAU/UFF.
Gerônimo Leitão, Professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo EAU/UFF.
Núbia França de Oliveira Nemezio — Arquiteta e Urbanista — mestre pelo Prourb/UFRJ.
Sandra Kokudai — Arquiteta e Urbanista UFRJ — Fundação Bento Rubião.
Aruan Braga – cientista social mestre em políticas públicas (UFRJ) e diretor do Observatório de Favelas.
Vitor Dias Mihessen, Economista, coordenador na Casa Fluminense.
Carolina Capelli – Arquiteta e Urbanista.
Aline Fernandes Barata – Arquiteta e Urbanista – doutoranda em Planejamento Urbano, Oxford Brookes University.
Adir ben Kauss — ex-presidente do IAB/RJ.
Cicero Alvarez – Ex-presidente da FNA.
Gustavo Jucá Ferreira Jorge — Arquiteto e Urbanista, coordenador acadêmico da UNISUAM, e membro da.diretoria da ABEA — Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura.
Carlos Eduardo Nunes-Ferreira, vice-presidente da Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – ABEA.
Isabel Tostes – Vice Presidente do CAU-RJ.
Edivaldo Souza – Ex-presidente do SARJ e Vice Presidente do CAU-RJ.
Igor de Vetyemy– Arquiteto, Urbanista, professor e pesquisador da UVA, UNESA e IED, Ex-Diretor da ABEA e do INPUC, Atual Copresidente do IAB-RJ.
Eleonora Mascia – Arquiteta e Urbanista, Mestre pelo PPGAU-UFBA, Presidenta da FNA.
Jeferson Salazar -Arquiteto e urbanista UFRJ — Ex-presidente do SARJ e FNA. — Presidente do CAU-RJ.
Anderson José de Castro Agostinho – Arquiteto e Urbanista, Mestrando PPGAU-UFV, Prefeitura Municipal de Ouro Preto-MG
Jéssica Rossone – Arquiteta e Urbanista, Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ, Professora da Rede FAETEC
Daniela Sarmento – Arquiteta e Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Regional, docente da FURB, Ex- presidente do IAB Núcleo Blumenau, Presidente do CAU/SC
Juliana Dreher – Arquiteta e Urbanista – Conselheira do CAU/SC, COSU-IAB, Diretora Relações Institucionais do SASC.
Eduardo Rocha – Arquiteto e Urbanista, Mestre em Educação, Doutor em Arquitetura, Docente e Pesquisador no PROGRAU/UFPel.
Sonia Fragozo – Arquiteta e Urbanista, MSc em Engenharia Urbana, doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pelo PROARQ. Docente em Arquitetura e Urbanismo da Unisuam, Docente em Edificações da Faetec.
Carlos Nigro, Arquiteto e Urbanista | Fotógrafo, Mestre em Gestão Urbana.
Isabella Rusconi – Arquiteta e Urbanista, mestranda MPRU-Universidade de Aveiro, pesquisadora L3P DCSPT-UA.
José Antonio, mestre em Desenvolvimento Urbano e Regional, docente do Centro Universitário UNDB em São Luís, Assessor Especial da Secretaria das Cidades do Estado do Maranhão.
Luciana da Silva Andrade – PROURB FAU UFRJ, Arquiteta-urbanista.
Contato:
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA)
(61) 983-611-145
http://www.fna.org.br/