Como a inteligência artificial está se aventurando na produção literária e na indústria criativa / Por Tânia Lins

Escritores robôs

Tânia Lins

Shelley escreve contos de terror. Aliás, já criou mais de 140 mil histórias do gênero, que foram publicadas em um fórum do Reddit. Entretanto, ela não é uma escritora no estrito sentido da palavra.

Em homenagem a Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein, profissionais do Laboratório de Mídia do MIT — os pós-doutores Pinar Yanardag e Manuel Cebrian sob orientação do professor doutor Iyad Rahwan — criaram uma inteligência artificial capaz de escrever textos com certa proficiência.

A notícia dos êxitos literários de Shelley não é recente. Ano após ano, vemos redes neurais desenvolvendo atividades tipicamente humanas.

Em 2019, a editora inglesa Springer Nature lançou o primeiro livro escrito por inteligência artificial; a obra fornece uma visão geral das pesquisas mais recentes sobre baterias de íons de lítio. Será, então, que a criatura está superando o criador? Até que ponto as profissões de editor e autor estão ameaçadas pela máquina?

Antes de responder às questões, gostaria de falar sobre algo que me é cotidiano. Ser editor de livros é buscar as respostas que o autor nem sequer pensou que podiam ser dúvidas; é ajudá-lo a se libertar de ideias e conceitos que só têm respaldo, muitas vezes, no senso comum; é ampliar as possibilidades da obra, tornando-a mais acessível e compreensível.

É questionar certezas frágeis, argumentos rotos, que se perdem na primeira reflexão do leitor. Há a tendência, principalmente na cultura nacional, de imaginar que os livros nascem prontos, com um enredo indefectível, no qual o autor optou pelo narrador adequado, e o caminho entre o início e o fim está bem traçado, sem ajustes, à prova do crivo da razão. Mas não é bem assim.

Como as pessoas, os livros também vão se moldando durante a jornada, enveredando por novos caminhos, suscetíveis ao próprio livre-arbítrio. E, antes que alguém diga o contrário, não. O editor de livros não é um censor, ele é um profissional que desenvolveu um olhar aguçado, crítico, mas amoroso, pois entende que está diante da criação de outrem e deseja apenas destacar os pontos fortes da narrativa, propondo mudanças, às vezes estruturais ou apenas pontuais, mas sem intenção de descaracterizar a obra.

A voz do autor deve ser sempre respeitada. Aliás, essa voz dos escritores nos transporta para diferentes lugares; desperta nossa capacidade de abstrair; torna o conhecimento algo que pode ser compartilhado por pessoas de diferentes culturas. Escrever é uma nobre arte, algo essencialmente humano.

Diante de um mundo tecnológico — e com máquinas lançando livros — não é difícil chegarmos à conclusão de que tudo pode ser automatizado. Ledo engano. Algumas profissões sempre necessitarão do olhar humano, que máquina alguma é capaz de substituir. Os editores e autores pertencem a essa categoria. Sagazes, esses profissionais dão alma a uma boa história, fazem um best-seller acontecer.

Um bom livro — fruto do trabalho e talento do escritor e do editor — proporciona emoção, paixão, conhecimento, drama, reflexão. São tantas sensações singulares. Ao abrir um livro, parece que o leitor está diante de uma janela, por onde pode observar o mundo. Aos poucos, com uma dose de coragem e curiosidade, ele se debruça na janela.

E, quando percebe, já está com o corpo todo para fora, prestes a se atirar. Não há volta. O mundo do lado de dentro até pode ser mais seguro, mas não é tão fascinante. Então, qual é o papel do editor e do autor? Criar boas narrativas e fazer a manutenção dessa “janela”, checar as dobradiças, a solidez da estrutura, assegurar que o leitor terá uma experiência única.

Será que a inteligência artificial pode substituir esse fator humano essencial à criação de um produto cultural que desperte nossas emoções? Da minha parte, não acredito nisso. E não estou sozinha nessa crença.

O romancista de ficção cientista, Satoshi Hase, esteve na banca de um prêmio literário japonês, cujo regulamento permitiu a inscrição de obras idealizadas por máquinas; dos 1.450 livros inscritos, 11 foram redigidos por um programa.

Segundo ele, ainda que os romances “escritos por máquinas” fossem bem estruturados, as descrições dos personagens deixaram a desejar. Aliás, esse é um problema que um editor de carne e osso pode, naturalmente, apontar, sugerir e auxiliar o autor humano a solucionar.

Tânia Lins é coordenadora editorial na Editora Vida & Consciência.

Contato:
Editora Vida & Consciência
(11) 2613-4777
https://vidaeconsciencia.com.br

 

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