Segundo análise da Fundação Perseu Abramo, os dados já disponíveis sobre o nível de atividade da economia brasileira neste terceiro trimestre de 2019 reafirmam o ritmo moroso que tem marcado este primeiro ano do governo atual

Nova desaceleração no terceiro trimestre

Nível de atividade – Apesar de se ter observado uma melhora da economia na passagem do primeiro para o segundo trimestre do ano, os números setoriais indicam que houve uma nova desaceleração no terceiro trimestre, especialmente puxada pelo fraco e preocupante desempenho da produção industrial que, em julho, alcançou o pior patamar dos últimos quatro anos. O governo, entretanto, nada faz de efetivo para alterar esse quadro. Ao contrário, dá sinais de que falsifica as projeções oficiais para impor ainda mais sacrifícios ao país cortando gastos públicos essenciais.

Já o setor de serviços que, vale lembrar, responde por mais de dois terços dos postos de trabalho do país, trouxe algum alento com um crescimento de 0,8% no último mês de julho quando comparado com o mês imediatamente anterior. Contudo, o resultado positivo não foi ainda suficiente para reverter a perda de dinamismo observada nos serviços na passagem de 2018 para 2019, de forma que ainda está 1,2% menor que no final do ano passado.

Entre as influências positivas observadas no mês de julho, cabe destacar o crescimento mensal dos serviços de informação e comunicação (1,8%), dos serviços de transporte (0,7%), além dos outros serviços que cresceram 4,6%. O destaque negativo ficou por conta dos serviços profissionais, administrativos e complementares, com queda de 1,3% na passagem do sexto para o sétimo mês de 2019.

Outro aspecto importante a se destacar em relação à evolução do setor de serviços é que as variações positivas em julho foram percebidas em 25 das 27 unidades da federação, sinalizando que se trata de um crescimento menos concentrado, como vinha sendo observado nos meses anteriores, muito associados aos desempenhos do setor nos estados de São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais.

Mas o dado mais relevante das pesquisas setoriais do IBGE relativas ao mês de julho diz respeito ao desempenho do comércio varejista. As vendas cresceram 1% na passagem do mês, o que configura o terceiro resultado positivo consecutivo (veja no Gráfico 2), sinalizando a recuperação do setor em relação à queda que vinha sendo registrada desde o início do ano.

Graças a essa recuperação observada no comércio varejista – que deve continuar nos próximos meses por conta da liberação dos saldos do FGTS – as expectativas em relação à taxa de crescimento da economia brasileira em 2019 deixaram de piorar e se mantiveram estáveis ao longo do mês de setembro, orbitando entre de 0,8% e 0,9%.

Esse patamar, entretanto, que é inferior ao dos últimos dois anos (1,1%), representa uma preocupante estagnação da renda per capita, em um país que vê crescer a pobreza e a precarização do trabalho e que ainda está longe de retomar os parâmetros econômicos e sociais que vinham sendo registrados até 2014.

Comércio Exterior – Os dados consolidados pela Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia até a terceira semana de setembro confirmam a tendência de deterioração do comércio exterior brasileiro, agora, porém, mais acentuada.

No acumulado desde janeiro de 2019 até a semana de referência, o saldo comercial do país alcançou apenas 33,5 bilhões de dólares ante um montante de 40,6 bilhões de dólares registrado no mesmo período do ano anterior, uma expressiva queda de 17,4%.

Contudo, mais grave do que o tamanho da contração em si, foi a forma como ela se deu: mesmo com a ajuda do processo de desvalorização do real ao longo do ano, a queda das exportações (-5,6) foi significativamente mais intensa que a das importações (-2,0%).

Entre as razões dessa perda de vigor de nossa corrente de comércio com o resto do mundo, além das crescentes disputas comerciais entre os EUA e a China e a consequente desaceleração da economia mundial, por certo a crise de grandes proporções que afeta a economia Argentina é a mais alarmante.

Para se ter uma ideia, as exportações brasileiras para o país vizinho caíram estrondosos 40,06% nos primeiros oito meses de 2019, uma perda de 4,53 bilhões de dólares em relação ao resultado do mesmo período do ano anterior, a maior parte dos quais relativos à queda das exportações de bens industrializados (4,22 bilhões).

Por conta dessa trajetória declinante e do horizonte externo nada benigno, os economistas de mercado consultados pelo Boletim Focus do Banco Central seguem revendo para baixo suas projeções de saldo comercial para o ano de 2019, atualmente estimado em 51,7 bilhões de dólares, ou seja, cerca de 15 bilhões menor do que o registrado há dois anos (veja Gráfico 3)

Inflação e política monetária – A despeito do encarecimento dos preços dos bens importados, pressionados pela desvalorização do real, e do oitavo aumento consecutivo do valor das tarifas de energia elétrica, a inflação oficial calculada pelo IBGE em sua prévia do mês de setembro (IPCA-15) foi de apenas 0,09%, refletindo o estado de letargia que se alastra pela economia do país.

No acumulado do ano, a inflação chegou a 2,6% e, considerando os últimos doze meses, alcançou 3,22%.Por conta dessa tendência declinante, entre os economistas que mais acertam as previsões na pesquisa semanal do Banco Central – os chamados “Top 5” do Relatório Focus – a mediana das projeções aponta que 2019 deverá registrar uma inflação anual de apenas 3,37% (quase um ponto percentual abaixo do centro da meta) em mais uma clara evidência do atraso da política monetária do Banco Central que demorou muito para começar a retomar a redução da taxa Selic.

Além disso, outro aspecto problemático e antigo da gestão monetária e financeira do Banco Central revela-se na sua incapacidade de conseguir influenciar as taxas de juros que são cobradas dos tomadores finais, notadamente dos consumidores.

Segundo o mais recente Relatório de Estatísticas Monetárias e de Crédito do Banco Central, a despeito da taxa Selic ter caído um ponto percentual desde maio, o spread bancário nas operações de crédito para pessoa física (isto é, o diferencial que os bancos cobram dos clientes em relação ao custo que arcam para captar dinheiro) cresceu 0,5% no mesmo período.

Noutros termos, as instituições financeiras aproveitaram a queda da Selic para engordar ainda mais os seus extravagantes lucros, às custas dos endividados e em prejuízo do consumo e do crescimento econômico. Tivéssemos um governo minimamente comprometido com os interesses gerais da nação e menos fiel aos bancos, urgia-se reduzir os juros nas linhas de crédito dos bancos públicos para forçar a redução dos juros dos bancos privados.

Contas Públicas e Política FiscalDe todas as barbaridades que o país assiste na condução da política econômica, certamente é na seara fiscal que se encontram os maiores equívocos e, por que não dizer, uma gestão irresponsável que tangencia o dolo.

Nas últimas semanas, vieram à tona uma série de revelações e denúncias de manipulações de informações fiscais por parte do governo, cujas motivações em nada se alinham aos valores da democracia e com os princípios da transparência e da publicidade que se requer da administração pública.

Em primeiro lugar, no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do quarto trimestre do ano, o governo fez uma surpreendente reavaliação da dotação orçamentária destinada às despesas com servidores da União, reduzindo-a em 5,8 bilhões de reais, sob a alegação de anterior superestimação na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no relatório do terceiro trimestre.

Além da estranheza com a dimensão do erro – muito superior a ajustes orçamentários do tipo que ocorreram em anos anteriores – a justificativa governamental de que a alteração se devia à não ocorrência de reajustes dos servidores no montante que se esperava também pareceu pouco convincente.

Afinal esse tipo de situação se repete todos os anos e nem por isso as divergências alcançam a casa dos cinco bilhões de reais. Em segundo lugar, talvez por conta do novo patamar de gastos com servidores da União (sem os tais 5,8 bilhões de reais), o ministro Paulo Guedes veio à imprensa para informar que irá se reunir com os presidentes da Câmara e do Senado com o intuito de alterar a proposta orçamentária recém-encaminhada ao parlamento, uma vez que nos cálculos do Ministério da Economia também em 2020 serão menores as despesas com servidores.

Por fim, em outra frente, por conta de uma investigação realizada por professores da Unicamp e técnicos especializados em cálculos previdenciários, veio a público a informação de que aparentemente há uma série de erros nas contas realizadas pela equipe do Ministério da Economia que subsidiaram a Proposta de Emenda Constitucional da Reforma da Previdência.

Como os erros apontavam sempre no sentido de superestimar as despesas do sistema e subestimar as receitas, não seria de todo estranho supor que houve uma deliberada iniciativa dos técnicos do governo para amplificar o déficit e assim justificar ajustes mais severos no sistema previdenciário que resultará da PEC que tramita no Congresso.

Tudo somado, como inclusive alguns especialistas em contas públicas têm alertado na imprensa, fica a impressão de que a ideologia ultraliberal que predomina na atual gestão tem levado o governo a manipular as análises oficiais das contas públicas com a intensão de projetar um quadro artificial de crise fiscal para assim conseguir respaldo perante a sociedade para continuar cortando despesas e reduzindo o tamanho do Estado.

Fonte: https://fpabramo.org.br/