Thomas Baccaro Art Gallery expõe individual da artista Leila de Sarquis, com 33 pinturas em óleo sobre tela, no dia 8 de março, domingo, das 11h às 17h
Leila de Sarquis iniciou sua carreira em 1977. Divagando pelos artifícios da pintura a óleo, escultura, objetos, instalação e fotografia, a artista perpassa pelo universo do onírico e do subconsciente.
Tendo como conceitos principais o arquétipo da grande mãe e também a conjunção dos opostos, sua obra foi se desenvolvendo e se consolidando gradualmente em torno deste universo e ideias que se tornam tangíveis de uma maneira única a partir da experiência artística.
Suas múltiplas abordagens e linguagens partem de uma definição de arte que considera, sobretudo, sua potência como experimento e vivência poética. Posto isso, adentra-se um terreno em que a arte se torna uma pressuposição; encontra-se defronte uma situação em que uma visão – a da artista – é tomada como fonte instigante de expressividade.
A artista teve momentos marcantes em sua trajetória que condicionaram a exploração de novos caminhos na arte oriundos de experimentos que passaram a contribuir para sua poética, como a collage – processo que pode ser lido como uma junção de inteiros, uma articulação de pedaços significativos -, a escrita dos sonhos e também a escritura automática (exercício muito usado no movimento surrealista na arte, bem como nos estudos de psicanálise). Essas práticas foram essenciais para um rompimento com a formalidade, abrindo leque para aventuras plásticas multifacetadas e com alto teor de sensibilidade. Essa trajetória em torno do irracional, carnal, instintivo, foi essencial para os rumos de seu trabalho.
A paulistana Leila de Sarquis, 1940, marcou presença em diversas exposições coletivas e individuais – nacionais e internacionais – nas quais recebeu consideráveis premiações referentes à excelência de seu trabalho.
Texto de Maria Alice Milliet sobre o percurso artístico de Leila de Sarquis – O olhar se compraz na cor. Desliza sobre grandes manchas, penetra transparências, surpreende-se com os contrastes, encontra na profusão uma harmonia. Há um prazer de azuis profundos que vão dar ao roxo, de amarelos a sustentar o verde ácido, de enclaves de vermelho macerado sobre o rosa pálido, do branco varrendo a escala cromática, de neutros nunca indiferentes. O olhar capta também a liberdade do gesto que espalha a tinta e entrevê linhas tênues mescladas ao pictórico.
Superado o deleite inicial feito da percepção da cor e porque não dizer, de uma fruição descompromissada que a pintura chamada abstrata costuma proporcionar, ou seja, se a vista se detém, o grafismo começa a fazer sentido. Figuras aparecem. Lá estavam, mas não se impuseram de imediato. Com mais tempo, as imagens vão surgindo, às vezes sobrepostas, fragmentadas, imprecisas. Numa exploração detida encontramos figuras humanas e animais que uma vez reconhecidas ficam evidentes.
Quem olha refaz o percurso da artista, encontra a figura num campo marcado a princípio por acidentes cromáticos. Não há uma intenção organizadora, a priori, existe um procedimento: o ato de pintar livre de código e premeditação gera situações onde a figura se inscreve. Nas telas de Leila de Sarquis a pintura funciona como armadilha para capturar a figura e captura também o observador desarmado.
Com gestualidade desinibida trabalha um cromatismo lírico, instaura um sistema de manchas de cor propiciatório ao aparecimento da figura. Cor e linha conjugados num movimento que vai da mão ao olho e vice-versa até a estabilização da obra. Domina com segurança telas grandes, encontra seu público, poderia ter parado por aí.
Porém, estas obras em que predomina o lirismo da cor contém o germe de uma outra produção da artista, de aceitação mais difícil, que pode ser entendida como a face sombria, o avesso desta pintura luminosa.
Antes, vale acompanhar como pintar seus quadros e depois, aproximar-se das esculturas e instalações para entender o universo comum a que pertencem. Nas telas, a superfície borrada pelas tintas cobre-se de extensas manchas de cor. As espessuras – rala, densa, velada ou crua – são obtidas pela sobreposição de camadas, pela densidade variável da matéria pictórica, pela remoção localizada do pigmento.
A limpeza de certas áreas com pano, ou diretamente com a mão, abre clareiras, cria veladuras. No fazer e desfazer, incorpora o acidental, a composição se organiza a partir do caos e a figura acontece sem referente nem modelo.
A pintura funciona como “suporte” dos desenhos numa situação semelhante à das inscrições rupestres. À disposição aleatória das imagens impede a formação do nexo narrativo. Os animais, melhor dizendo os bichos porque fantasmáticos, com frequência pássaros ou quadrúpedes com cabeça de ave e os humanos, em geral o casal, postos à margem da história ficam livres da função narrativa.
Nos últimos dois anos, Leila sem abdicar da pintura à qual agrega novos materiais, faz esculturas. De maçarocas de arame e juta incorporadas com cimento vão saindo animais estranhamente “reais” na sua imprecisão. Os traços de animalidade vêm do sentido inverso ao fazer bem feito, bem-acabado, são formas residuais, apenas indícios, que, entretanto, evocam a presença animal com mais intensidade que as figuras-cópia.
Na matéria áspera irrompe um ser simiesco acocorado na postura fetal qual múmia indígena; o emaranhado de arame – um ninho-útero – guarda o mistério do embrião; a densidade da massa retém a força bruta do bisão, a frágil carcaça traz a cria do ventre em decomposição.
Trabalha o aglomerado de madeira ou papelão do mesmo modo que enfrenta a construção tridimensional. Terra, cimento, ferro, água… Muita água. Age rápido com as mãos, aproveita as sugestões da matéria caótica, faz crescer protuberâncias, descarna, amarra, enevoa, fazendo surgir dados figurativos nos volumes enquanto nos suportes planos empastados com argamassa e barro adere pedaços de madeira, papel, plástico etc. por vezes interferindo com toques de cor e grafismo (ainda a pintura).
A partir de uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo da USP, em 1993, passa a fazer uso intencional da luz como meio de dramatização. A iluminação direcionada aos objetos produz imagens projetadas sobre o plano. A sombra por sua virtualidade nos fascina desde a infância, quando víamos magicamente aparecer na parede a silhueta do coelho, do lobo, do pássaro, criadas por mãos habilidosas na contraluz. Na transposição do sólido para o bidimensional uma realidade virtual se apresenta, a sombra pode identificar-se ou não com o objeto do qual é a imagem projetada.
No ano seguinte, Leila participa da coletiva Übergänge também no MAC com nova instalação, dessa vez com peças suspensas.
A articulação entre objeto, desenho e sombra tem ocupado recentemente a artista. Um conjunto de trabalhos articula a construção tridimensional com a transposição bidimensional.
A obra de Leila chega ao limiar da maturidade. Em menina, ficava a olhar as nuvens e via figuras que o vento lentamente desfazia; ainda hoje gosta de andar pelo campo a catar seixos que chamam atenção pela forma ou colorido e na cidade, fica atenta aos tapumes, ao piso das calçadas, aos muros tão ricos em sugestões.
Este rastreamento que não obedece roteiro ou objetivo pré-determinado é o mesmo procedimento voltado à criação plástica: a imagem não se impõe nem é imposta, vem de um processo interativo do artista com o meio. / Maria Alice Milliet (Lisboa, setembro de 1995)
Serviço:
Thomas Baccaro Art Gallery expõe individual
“Per.Cursos”
Leila de Sarquis
Curadoria: Thomas Baccaro
Abertura: dia 8 de março, domingo, das 11h às 17h
Período da exposição:
Horário de visitação: Segunda a Sexta-feira,
das 10h às 12h e das 14h às 18h
Sábados, domingos e feriados com hora marcada
Thomas Baccaro Art Gallery
Rua Bastos Pereira, 39
Vila Nova Conceição, São Paulo, SP
(11) 964-341-331
https://www.thomasbaccaro.com/