Um dos maiores nomes da poesia do século XX, conhecido como “Poeta da Revolução” por seu engajamento na construção da nova sociedade soviética, Vladímir Maiakóvski foi também um grande poeta lírico.
Publicado em 1923, Sobre isto é fruto de sua relação amorosa com Lília Brik, interrompida em dezembro de 1922 por uma briga entre o casal.
“Sem você, eu paro de existir”, escreve Maiakóvski numa carta da época, desobedecendo o pacto de silêncio e separação que eles haviam estabelecido. Nos dois meses de afastamento, o poeta redige este que é um de seus poemas mais longos. Partindo da dor e da angústia da separação, Maiakóvski termina por abarcar e revisitar toda sua obra anterior, seus sentimentos e reflexões mais profundos sobre a revolução, o amor e o futuro, num voo lírico extremamente pungente.
Criticado à época por tratar de um tema individualista como o amor (o que explica o título cifrado — Sobre isto), o poeta defendeu a sua liberdade de criação nesta que considerou sua obra-prima e que deu origem, entre nós, à canção de Caetano Veloso interpretada por Gal Costa, “O amor”.
Primeira tradução integral da obra no Brasil, a presente edição bilíngue conta ainda com apresentação, notas e estudo crítico de Letícia Mei, além das fotomontagens originais de Aleksandr Ródtchenko e de uma seleção da correspondência entre Maiakóvski e Lília Brik no período.
O autor – Vladímir Maiakóvski nasceu em 1893 em Bagdádi, na Geórgia. Aos quinze anos inicia sua militância política junto aos bolcheviques, sofrendo repetidas prisões. Em 1911 ingressa na Escola de Pintura, Escultura e Arquitetura de Moscou, onde trava amizade com David Burliúk, com quem fundaria o movimento futurista russo. Em 1915 escreve os poemas Nuvem de calças e Flauta de vértebras, este dedicado a Lília Brik.
Após a Revolução de Outubro, adere com entusiasmo ao novo regime, colaborando com a propaganda estatal, sobretudo na elaboração de cartazes, e escreve a peça Mistério-bufo (1918). Entre 1922 e 1923, dirige a revista LEF, pautada pela intenção expressa de aliar arte revolucionária e luta pela transformação social. Realiza viagens pela Rússia e pelo exterior, e compõe , entre outros, o poema Sobre isto (1923) e a peça O percevejo (1929). Suas posições vanguardistas, no entanto, sofrem progressivos ataques, e é acusado de fazer arte “incompreensível para as massas”. Em 1930, alguns meses após lançar o poema A plenos pulmões, comete suicídio.
O ilustrador – Aleksandr Ródtchenko nasceu em 1891, em Petersburgo. Estuda na Escola de Arte de Kazan, onde conhece a artista e futura esposa Varvara Stepanova, e no Instituto Stroganov, em Moscou. Em 1915 faz seus primeiros desenhos abstratos, influenciado por Maliévitch, e participa no ano seguinte de uma exposição organizada por Tatlin. Em 1920 é nomeado, pelo governo bolchevique, para o cargo de Diretor do Departamento de Museus, e passa a dar aulas na Escola Superior de Arte e Técnica (Vkhutemas). Trabalhou com diversas técnicas, como a pintura, a escultura, a fotografia e o desenho gráfico, tendo se celebrizado por suas fotomontagens, como as realizadas para o livro Sobre isto, de Maiakóvski, em 1923. Considerado um dos fundadores do construtivismo russo e do design moderno, morreu em 1956, em Moscou.
A tradutora – Letícia Mei nasceu em São Paulo, em 1979. Passou a infância e a adolescência no Rio de Janeiro, onde estudou Ciências Econômicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em seguida, retornou a São Paulo e graduou-se em Letras (Português, Francês e Russo) na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É mestre em Literatura e Cultura Russa pela mesma instituição, com a dissertação “Sobre isto: síntese da poética de Maiakóvski”, defendida em 2015. É tradutora de textos jornalísticos, científicos e literários (sobretudo poesia) em russo e francês. Publicou artigos sobre poesia russa e é professora de língua e literatura francesa. Atualmente é doutoranda na Universidade de São Paulo e dedica-se à pesquisa e à traduç ;ão dos poemas líricos longos de Maiakóvski.
Texto de orelha – Como falar de amor em tempos de convulsão social, em tempos de revolução? O poeta Vladímir Maiakóvski responde com um dos mais belos poemas sobre o tema no século XX. Repisado, usado e abusado por toda a tradição da poesia, o amor se transforma, redimensiona-se na voz do poeta de vanguarda, ainda que, visto como manifestação do individualismo burguês, não possa mais ser nomeado, nem no título da obra — Sobre isto — nem em sua primeira aparição no texto, quando surge em reticências, na elipse provocada pela rima: “crava — ordenou — as frontes com os versos da dor./ O nome/ deste/ tema é:/ …!”. Maiakóvski trata, então, de um novo tipo de amor. A proposta, tão revolucionária quanto os planos de reestruturação social lançados pelos comunistas desde 1917 (o poema &eacut e; de 1922-23), é de um sentimento novo, livre das amarras do passado, do ciúme e da mesmice cotidiana, adequado ao novo homem do mundo socialista em construção.
Mas o amor é, para Maiakóvski, bem maior do que a própria revolução, e os 1.813 versos de Sobre isto apresentam o ousado projeto de acolher todos os procedimentos de composição utilizados pelo poeta até aquele momento. Tido muitas vezes como poeta panfletário, propagandista feroz da Revolução Socialista, Maiakóvski surge aqui, em toda a força de sua capacidade inventiva, como o poeta “construtor”, mais de transpiração do que de inspiração. A revolução social vai de par com revolução na linguagem, e os versos de Sobre isto trazem a experimentação vanguardista do poeta no seu auge: de sua marca registrada, os versos escalonados em degraus, à multifacetada composição sonora e rítmica (“Um rio. Magnífico rio. Um frigorífico”); da elabor ação de rimas ricas e entrecruzadas, profundamente inovadoras, aos neologismos tão caros aos poetas cubofuturistas russos (“triunfo clariflamejante”, “os pinheiros se transnatalizaram” e outros tantos).
Também o tema do “futuro”, obsessão de Maiakóvski, sobretudo em seus textos dramáticos, ganha aqui tons até então desconhecidos e mostra-se em sua dupla face. Por um lado, no engajamento pela constituição de um novo sentimento para o homem do porvir. Por outro, com o desalento do poeta que vê o amor, tragado pelo furor de seu tempo, ordenar, “colérico”, aos que “atreveram-se a esquecê-lo”: “Dá-me a rédea dos dias!”. Um sentimento que já não cabe no presente e é massacrado pela ideologia do trabalho, da renovação constante, do utilitarismo. Maiakóvski será criticado por muitos, com a publicação de Sobre isto, por parecer “deslocado” de seu momento histórico, lançado numa fuga para o futuro que demonstraria sua inaceitável desilusã ;o com o estado de coisas, com os antigos costumes ainda arraigados. Será atacado também por colocar-se, como poeta e figura pública, acima da revolução.
O pesado e delicado “urso” Maiakóvski cometeria ainda mais um pecado diante de uma sociedade marcada pela visão coletivista do mundo. Poeta romântico por excelência, projeta constantemente sua experiência subjetiva do amor, muitas vezes mencionando seu romance com Lília Brik, sobre o projeto coletivo do nascente homem socialista. Nesse sentido, Maiakóvski lança mão, sem peias, de elementos autobiográficos, fatos e vivências pessoais, que exacerbam o lirismo do poema: “‘ele’ e ‘ela’: a minha balada […]. O terrível é que ‘ele’ sou eu, e que ‘ela’ é a minha amada”.
A primeira tradução completa de Sobre isto no Brasil, recriação artística que é fruto de um minucioso trabalho de pesquisa de Letícia Mei, traz ao leitor a voz do poeta a quem restou, sete anos antes de seu suicídio, no primoroso final do poema (já transformado em canção da língua portuguesa por Caetano Veloso e Ney Costa Santos), clamar a um incerto químico do futuro, por si, pela amada, pelo amor: “Ressuscite-me!”. / Mário Ramos
Ficha:
Vladímir Maiakóvski
Sobre isto
Fotomontagens de Aleksandr Ródtchenko
Tradução, posfácio e notas de Letícia Mei
Edição bilíngue
Coleção Leste
240 p. | 14 x 21 cm | 308 g
ISBN 978-85-7326-716-7
2018 – 1ª edição
Edição conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
R$ 52,00 – Comprar
Contato:
Editora 34
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