Pesquisador propõe que, ao fixar o modernismo paulista como sendo o modernismo brasileiro, a crítica e a história literárias excluíram tudo aquilo que não cabia nesse modelo

A ideologia paulista e os eternos modernistas

Francisco Foot Hardman desafia hegemonia de pensamento do modernismo de 1922

A Semana de Arte Moderna de 1922 oficializou-se como o marco inicial do modernismo no Brasil. Entretanto, havia ali mais do que um manifesto artístico – assistia-se à tentativa de lançar um projeto de país.

Estava-se diante do grito inicial de uma nova hegemonia, que – como Francisco Foot Hardman evidencia em A ideologia paulista e os eternos modernistas, lançamento da Editora Unesp – tinha muito de paulista e esmaecia boa parte da riqueza de matizes da produção nacional.

“Este volume reúne e articula, em seus 14 capítulos, uma seleção de ensaios em que tenho trabalhado, ao longo das últimas três décadas, diferentes espaços, temporalidades, sentidos e produções culturais cingidas entre modernização, modernidade e modernismo, para voltar a uma distinção importante de Jacques Le Goff”, explica o autor.

Se há uma linha de força com a qual se faz aqui um contraponto histórico-cultural incontornável, é a da ideologia paulista e uma de suas ideias fixas, a de que um evento corriqueiro e provinciano como o da chamada Semana de Arte Moderna em São Paulo fosse capaz de ‘fundar’ e, a partir daí, dirigir os rumos do modernismo brasileiro. Tal construção longe está de ser episódica ou casual. Foi parte de um projeto, em larga medida bem-sucedido, de criar as bases da hegemonia das oligarquias cafeeira e industrial paulistas no Brasil dos anos 1920-30.

O autor observa aqui como a modernidade literária brasileira pode ser antecipada em ao menos meio século em relação à Semana, quando diversos escritores já buscavam aquilo que o modernismo transformaria em programa, a chamada redescoberta do país.

E mais: esses escritores já tinham a consciência do choque entre progresso técnico, por um lado, e as terríveis heranças que pesavam em nossa história, por outro. Analisando a obra de escritores como Augusto dos Anjos, Euclides da Cunha, Raul Pompeia, Silva Jardim e Sousândrade, dentre outros, Hardman se detém em diversos signos da modernidade que vinham de muito antes de 1922.

Os textos estão organizados em duas partes. A primeira, intitulada “República das ruínas e das solidões”, lembra que “a história trágica da formação do Estado nacional, sobretudo na passagem da Monarquia à República, é um cenário de projetos em luta, em que a vida literária, em diferentes regiões do Brasil, atuou e se expressou em obras e linguagens plenamente modernistas, do simbolismo ao decadentismo, do parnasianismo ao libertarismo”, aponta o autor.

Já a segunda, nomeada por “Paisagens estranhas, tempos extremos”, “indica a inelutável correlação entre ‘literatura nacional’ e as contradições da história mundial contemporânea no século XX”, complementa.

Ao fixar o modernismo paulista como sendo o modernismo brasileiro, a crítica e a história literárias excluíram tudo aquilo que não cabia no modelo de 1922, inclusive reduzindo as relações internacionais de nossa cultura aos contatos em geral provincianos que artistas paulistas travaram com movimentos europeus.

Além disso, o modernismo foi definido apenas em termos estéticos, excluindo- se as suas muitas outras dimensões. O que Foot Hardman mostra é que o modernismo brasileiro foi muito mais que o cenário paulista, abrindo um convite entusiasmado à revisitação das obras daqueles escritores, que foram alheados da história hegemônica.

Francisco Foot Hardman

Francisco Foot Hardman é professor titular na área de Literatura e Outras Produções Culturais da Unicamp. Foi professor visitante na Universidade de Pequim (2019-20). Publicou, entre vários livros, Nem pátria, nem patrão! (Editora Unesp, 2002), Trem-fantasma (Cia. das Letras, 2005), A vingança da Hileia (Ed. Unesp, 2009), Ai Qing: Viagem à América do Sul (Editora Unesp, 2019 – em colaboração com Fan Xing) e Meu diário da China: a China atual aos olhos de um brasileiro (PKU Press, 2021).

Ficha:
A ideologia paulista e os eternos modernistas
Francisco Foot Hardman
ASSUNTOS: Artes / Letras e Linguística
ANO: 2022
ACABAMENTO: LIVRO BROCHURA (PAPERBACK)
PÁGINAS: 262
EDIÇÃO: 1
ISBN: 9786557111628
PESO: 200g
FORMATO: 13.7 X 21
R$54,00

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