Manifesto Observatório das Metrópoles pela realização integral do Censo Demográfico de 2020

Censo Demográfico

O Observatório das Metrópoles, rede nacional de pesquisa, que integra programas de pós-graduação, entidades governamentais e organizações da sociedade civil, reunindo mais de 100 pesquisadores e 60 instituições de 16 regiões metropolitanas do país, vem a público manifestar-se pela realização do Censo Demográfico de 2020 de modo integral.

Tendo em vista a preocupação com a declaração do Sr. Ministro da Economia, Paulo Guedes, que sugeriu a redução da quantidade de questões existentes nesse levantamento em razão da política de contração dos gastos fiscais do Governo Federal, no momento da posse da nova Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra, e das notícias veiculadas posteriormente sobre as exigências que a nova Presidente do Instituto tem feito para alterar a sua execução na direção do que havia sido solicitado pelo Ministro da Economia.

O Censo Demográfico é o levantamento mais sistemático feito no Brasil sobre sua população e seus domicílios, realizado no Brasil desde 1972 e sob responsabilidade do IBGE desde 1940, com periodicidade decenal, abrangendo todos os municípios do Brasil. Além disso, é o único levantamento que possibilita a obtenção de dados em nível intramunicipal, ou seja, permite conhecer as características e as diferenças internas de cada município.

Trata-se, ainda, da pesquisa mais completa sobre a vida das pessoas e de seus domicílios em diversos temas, como educação, trabalho e rendimento, migração e mobilidade populacional, fecundidade, habitação, saneamento, infraestrutura urbana, entre outros. A interrupção de sua realização de modo integral provocará inestimáveis e irreversíveis perdas para o conhecimento do país e, por conseguinte, para a elaboração de políticas públicas.

As informações que foram veiculadas pela imprensa dizem que haverá redução do tamanho do questionário a ser aplicado nos domicílios (Jornal O Globo). Ao mesmo tempo, tem sido dito que pode haver alterações no tamanho da amostra que acompanha o Censo, limitando sua análise geográfica ao nível do município, e não mais ao nível intramunicipal.

As consequências, qualquer que seja o tipo de mudança, podem ser profundas e prejudiciais para o conjunto da coletividade do país. Se a mudança for pela redução do tamanho do questionário, com certeza serão afetadas variáveis de temas importantes, o que inviabilizará sua análise e seu aprofundamento, interrompendo sua série histórica existente há várias décadas. Se a mudança for pela redução do tamanho da amostra será perdida uma das principais contribuições do Censo Demográfico, que o diferencia de outros levantamentos domiciliares, inclusive aqueles conduzidos pelo próprio IBGE, que é a coleta de dados que permite análise intramunicipal. Reforçando, nenhum outro levantamento do país permite a análise na escala intramunicipal como o Censo Demográfico.

O Observatório das Metrópoles é grande usuário dos dados produzidos pelo IBGE, desde sua origem, há 20 anos, e, principalmente, dos dados levantados pelo Instituto no Censo Demográfico. Muitas investigações científicas realizadas nesse período utilizaram-se dos dados advindos desse levantamento, devido à sua abrangência territorial, porque além de obter dados de todo o território nacional, possibilitando uma visão da situação de todo país, permite também a análise em variados níveis subnacionais (Grandes Regiões, Unidades da Federação, Municípios, Bairros e Setor Censitário, por exemplo).

O Observatório das Metrópoles também se beneficia desse levantamento pela diversidade dos temas que são levantados, o que permite realizar estudos sobre estratificação social, segregação urbana, bem-estar urbano, déficit habitacional, mobilidade urbana, desigualdades de oportunidades educacionais e desigualdades de oportunidade no mercado de trabalho, entre outros, sempre com a estratégia de focar nossas análises nos níveis intraurbanos das metrópoles brasileiras.

Tudo isso possibilita a geração de conhecimento e a difusão de informações para benefício de toda a sociedade, na medida em que passamos a compreender os processos sociais, demográficos e urbanos que se realizam em nossas metrópoles e, a partir dessa compreensão, podemos interpretar os seus mecanismos geradores, na perspectiva de elaboração de políticas públicas que tenham como objetivo a redução das desigualdades existentes no país, em especial nas regiões metropolitanas, onde elas se apresentam de modo mais dramático.

Para ilustrar a importância que o Censo Demográfico tem para os estudos do Observatório das Metrópoles, que se traduzem em subsídios reais para elaboração de políticas públicas, podemos apresentar três exemplos que levam em conta tanto a diversidade de temáticas, possível porque presente no Censo, quanto sua análise intramunicipal.

O primeiro se refere à elaboração do Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU), financiado com recursos do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT – CNPq, Capes, Faperj e Finep), que procurou capturar as desigualdades urbanas existentes nas metrópoles brasileiras, num primeiro momento, e em todos os municípios do país, posteriormente. Esse índice foi construído a partir dos dados que refletem as condições urbanas de cada cidade, reunidos em cinco dimensões: mobilidade urbana, condições habitacionais, condições ambientais, serviços coletivos e infraestrutura. Tudo isso capturado na escala intramunicipal, a partir do recorte escalar denominado de área de ponderação (se aproxima do que conhecemos como bairro).

Esse estudo, amplamente divulgado na imprensa, possibilitou conhecer as desigualdades dentro de cada metrópole do país e, a partir do seu conhecimento, a construção de estratégias para elaboração de políticas públicas, tendo sido utilizado por diversos órgãos públicos de variadas prefeituras.

O segundo exemplo de estudo feito pelo Observatório das Metrópoles, que se utiliza dos dados do Censo Demográfico, refere-se à análise da organização social do território metropolitano, o que permite compreender o padrão de segregação residencial existente nas metrópoles do país, servindo de subsídio para elaboração de políticas públicas que tenham como objetivo a redução das desigualdades sociais que se expressam de modo territorializado.

Esse tipo de análise só é possível porque o Censo Demográfico coleta dados de ocupação das pessoas no mercado de trabalho, o que permite construir um esquema de estratificação sócio-ocupacional que, por meio de técnicas avançadas da estatística, podem ser replicadas territorialmente, em cada área interna dos municípios. Esse é um estudo que está sendo realizado pelo Observatório das Metrópoles desde o Censo Demográfico de 1980. Seria grande prejuízo para a pesquisa sua interrupção e grande prejuízo para toda a sociedade se essa possibilidade de análise da segregação residencial deixasse de ser realizada.

O terceiro exemplo de estudo feito pelos pesquisadores do Observatório das Metrópoles, que está em linha com a produção mais avançada do campo internacional dos estudos urbanos, diz respeito ao chamado neighborhood effects (efeito vizinhança). Esse tipo de estudo, que só pode ser feito com dados que permita exploração estatística no nível intramunicipal, tem demonstrado que um dos componentes explicativos importantes das desigualdades de oportunidades tanto do mercado de trabalho quanto educacional é a vizinhança.

Para além dos atributos pessoais e das condições de cada família, a vizinhança (ou o bairro) também afeta a chance das pessoas que permita o acesso às estruturas de oportunidades existentes e, por conseguinte, a possibilidade de superação das desigualdades sociais observadas nas metrópoles.

No Brasil, a única pesquisa que permite esse tipo de análise é o Censo Demográfico, ao contrário dos países mais desenvolvidos que têm recursos para financiar diversas pesquisas domiciliares do tipo survey de abrangência intramunicipal (ou na escala bairro). Assim, deixar de coletar os dados que permitem esse tipo de análise ou deixar de capturar na escala intramunicipal significará verdadeiro retrocesso no campo dos estudos urbanos.

Qualquer que seja a alteração no Censo Demográfico de 2020, com vistas à redução dos seus custos, terá pequeno efeito na redução dos gastos fiscais do Governo Federal, mesmo no curto prazo, mas profundas consequências para a sociedade brasileira no curto, médio e longo prazos. É neste sentido que nos manifestamos pela realização integral do Censo Demográfico de 2020, como estava sendo prevista e está sendo defendida pelo corpo técnico do IBGE.

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