Com layout específico, toaletes agêneros exigem adaptação do ambiente físico e cultural, afirma Denise Moraes, da AKMX Arquitetura e Engenharia
Comemorando o Orgulho LGBTQIAP+, as cores do arco-íris se multiplicam, principalmente nas propagandas e redes sociais de empresas.
No entanto, o apoio corporativo à causa deve ir além de manifestações públicas, promovendo ações de conscientização e oferecendo um ambiente para acolher melhor esses profissionais, como a criação de banheiros sem gênero, por exemplo.
Para isso, as companhias devem observar uma série de fatores, desde o ambiente físico até a cultura organizacional, passando pela legislação que trata do tema.
“Muitas empresas estão trazendo essa pauta para discussão interna e solicitando projetos. No caso de toaletes coletivos agêneros, é preciso um layout próprio, pois ele tem suas especificidades, como portas sem vãos nos boxes, que garantem maior privacidade”, explica Denise Moraes, diretora de criação da AKMX Arquitetura e Engenharia.
Com experiência no desenvolvimento desses ambientes, Denise lembra que não é somente a identidade de gênero ou orientação sexual que deve ser considerada ao pensar na criação dos banheiros multigêneros.
“Existem casos de pessoas que usaram o banheiro de um gênero e se sentiram vítimas de preconceito por considerarem não ser adequado em razão da sua transição de gênero ou pela sua própria identidade sexual. Por outro lado, tem também a questão cultural, da pessoa que não quer dividir banheiros com pessoas de outro sexo no ambiente de trabalho. E isso também precisa ser respeitado”, adiciona.
A legislação também deve ser observada, podendo variar em cada município. É o que explica a advogada Mirella Pedrol Franco, do GBA Advogados Associados.
“As normas atuais do Ministério do Trabalho obrigam empresas com mais de dez funcionários a terem banheiros separados por gênero. Porém, os municípios têm autonomia para legislarem sobre o tema. Ou seja, a regra de cada cidade pode ser diferente”.
Denise complementa que essa limitação não impede a criação dos banheiros multigêneros. “As empresas têm a opção de oferecer toaletes agêneros além dos obrigatórios, beneficiando a diversidade”, afirma.
Em projetos recentes, o desenho de banheiros agêneros estão envolvendo a busca pelo entendimento do perfil dos colaboradores, da cultura da empresa, do uso da neuroarquitetura para promover as sensações de privacidade e segurança e o trabalho conjunto com a equipe de RH e Marketing, visando estabelecer clima e rotina amigáveis para o funcionamento mais adequado.
Outro ponto importante a ser avaliado antes de oferecer um banheiro sem gênero é a questão cultural, pois não basta apenas criar este espaço. É preciso conscientizar todos funcionários sobre a necessidade de respeitar a diversidade e a privacidade de todos que utilizem o local.
Este fato é alertado por Alberto Silva, CEO da Casa Florescer, ONG que tem parceria com a Prefeitura de São Paulo e acolhe travestis e mulheres transexuais. A entidade faz parte da Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana (CROPH), órgão que atua há mais de 45 anos dando auxílio ao público diverso ou em situação de vulnerabilidade social.
“Para uma integração mais coletiva é essencial que as empresas consigam sensibilizar os colaboradores em todas as esferas para que, de fato, seja implantado o banheiro agênero ou que o banheiro seja utilizado pela forma com a qual uma pessoa se identifica: um banheiro de todas as mulheres e de todos os homens. Mas isso é um grande desafio porque as normas ainda impostas dentro do sistema corporativo permeiam ainda muito esse sistema binário. Então, a gente tem de quebrar um pouco esses padrões por meio de uma sensibilização mais apropriada”, analisa.
Ele crê que o papel mais importante da arquitetura para a instituição dos banheiros sem gêneros é a de criar “um ambiente um pouco mais agradável” aos usuários, com uma estrutura que assegure privacidade às pessoas de qualquer característica física ou identidade sexual.
“Geralmente as pessoas transexuais utilizam o box. Então se o homem trans vai utilizar o banheiro masculino, onde tem os mictórios, ele pode utilizar o box. Então, há a necessidade de que os espaços tenham portas. A mesma coisa vale para uma mulher trans”, diz, exaltando também que a prática de uma “cultura organizacional” inclusiva na empresa é ainda mais relevante do que o projeto que poderá melhorar a estrutura e a funcionalidade deste espaço.
Para ele, o preconceito é um obstáculo para a criação de banheiros sem gênero. Um estudo feito pelo LinkedIn neste ano mostra que quatro em cada dez pessoas LGBTQIAPN+ relatam ter sofrido discriminação no ambiente de trabalho. “O preconceito ainda é a principal prática violenta.”
Um relatório da Transgender Europe (TGEU) apontou que o Brasil foi, em 2021, pelo 13º ano consecutivo, o país com mais assassinatos de pessoas trans e travestis no mundo.
“Em vários momentos, temos uma cultura muito machista, patriarcal, que ainda denomina o que é ser homem e o que é ser mulher enquanto sexo biológico”, lamenta o CEO da Casa Florescer.
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