Em um mergulho no universo onírico, a exposição ‘Surrealismo, 100’ revela a força e a atualidade de um movimento que continua a inspirar artistas e a desafiar a realidade

100 Anos de Sonhos na Galeria André

Octavio Araujo-Pérsefone Ó.S.T 46×55

Exposição Surrealismo, 100: A Mão, o Olhar e a Ideia em Movimento

No contexto do centenário do Manifesto Surrealista, a Galeria de Arte André inaugura, em 28 de setembro, a exposição Surrealismo, 100 – A mão, o olhar e a ideia em movimento.

Sob a curadoria de Mario Gioia, a mostra reúne cerca de 100 itens, incluindo 50 obras de arte — entre pinturas, esculturas, desenhos e gravuras — e 50 peças de documentação, como fotografias e publicações, destacando a relevância do surrealismo na arte brasileira e internacional.

Obras em Destaque

A exposição apresenta obras originais de artistas icônicos do surrealismo, como Salvador Dalí, Joan Miró e Giorgio de Chirico. Dalí é representado por cinco litografias, incluindo La Divina Commedia: Inferno e a escultura Persistência da Memória, que ilustra o conceito do tempo fluido e a relatividade da realidade, temas centrais na obra do artista.

Miró contribui com a pintura Mujer ante el sol, enquanto De Chirico traz sua obra Il Trovatore con la luna, refletindo a fusão entre sonho e realidade que caracteriza o surrealismo.

Retomada Histórica

A curadoria de Gioia também se debruça sobre a história da Galeria André, que, ao longo de mais de seis décadas, tem sido um espaço de exibição para artistas ligados ao surrealismo. Ele observa que muitos artistas que tiveram exposições individuais na galeria nas décadas de 1970 e 1990 não receberam o reconhecimento merecido na história da arte brasileira.

100 Anos de Sonhos na Galeria André / Fotografia Alan Teixeira

Roni Brandão-Em.Marr.cornet 50×60 déc.80

A exposição serve, portanto, como uma reavaliação dessas trajetórias, inserindo-as em um novo ciclo de apreciação do surrealismo, especialmente relevante neste centenário.

Contribuições de Artistas Menos Conhecidos

Além dos célebres surrealistas, a mostra também inclui obras de artistas como Eduardo Torassa, Roni Brandão e Philip Hallawell, que tiveram destaque nas décadas passadas. Hallawell, por exemplo, é lembrado por sua inovadora prática de convite-catálogo, que elevou a apresentação de exposições em seu tempo.

A exposição ainda apresenta uma série inédita do artista nipo-brasileiro Michinori Inagaki, que explora o fantástico, tema pouco comum em sua trajetória.

Presença Feminina no Surrealismo

Outro ponto relevante da exposição é a inclusão de artistas mulheres, que têm sido historicamente subrepresentadas no surrealismo. A escultora Sonia Ebling e a paulista Sonia Menna Barreto estão entre as figuras notáveis que representam essa vertente. A contemporânea Diana Motta também se destaca com a obra Vaca Vermelha, ampliando o debate sobre a presença feminina na corrente surrealista.

[Considerações]Sobre a exposição Surrealismo, 100, pode-se notar uma proposta curatorial que celebra o legado do surrealismo e também busca resgatar vozes muitas vezes marginalizadas. A escolha de obras que dialogam entre si, aliada à presença de artistas menos reconhecidos, enriquece a narrativa da galeria. O uso de litografias de Dalí e a escultura de Miró reafirmam a importância desses artistas, além de contextualizar a influência do surrealismo na evolução da arte contemporânea. A inclusão de artistas mulheres e de uma nova geração, como Diana Motta, abre espaço para um debate inclusivo sobre a produção artística, reafirmando a relevância do surrealismo em um cenário em constante transformação.

 

Surrealismo, 100 – A mão, o olhar e a ideia em movimento / Por Mario Gioia

A escrita de André Breton (1896-1966) é prolífica em fornecer pensamentos instigantes sobre a arte. No centenário da sua obra mais conhecida, o manifesto que se tornou a pedra de toque do surrealismo, a escrita do autor de Nadja ainda consegue provocar e lançar ideias que sobrevivem num estado permanente de ebulição.

No documento de 1924, o escritor francês recorre ao também fulcral Pierre Reverdy (1889-1960), em geral mais associado ao cubismo, para dar ideia desse tempo quase febril e único de criação.

“Os pensamentos me vinham tão rapidamente e fluíam tão abundantemente que eu perdia uma porção de detalhes delicados, porque meu lápis não podia andar tão depressa, e entretanto eu me apressava, a mão sempre em movimento, eu não perdia um minuto. As frases continuavam a brotar em mim, eu estava prenhe de meu assunto”1, assinala no manifesto.

Ainda citando Reverdy: “A imagem é uma criação pura do espírito. Ela não pode nascer da comparação, mas da aproximação de duas realidades mais ou menos remotas. Quanto mais longínquas e justas forem as afinidades de duas realidades próximas, tanto mais forte será a imagem – mais poder emotivo e realidade poética ela possuirá”2.

Mão em movimento, olho em estado selvagem, beleza convulsiva. Todos conceitos hoje essenciais no corpus das artes em distintas linguagens levantados por Breton nos dão a certeza que o surrealismo cravou raízes em nosso cânone, desdobrando-se por potencialidades múltiplas. No entanto, para além do literário, como isso se sedimentou na visualidade moderna e contemporânea? Ainda se desdobra?

Em busca não de respostas definitivas e taxativas e sim de relações, aproximações e compilações pouco ou nada vistas, tentadas e exibidas, é construída a coletiva Surrealismo, 100 – A mão, o olhar e a ideia em movimento, que traz mais de 50 trabalhos de 22 artistas de épocas variadas na Galeria de Arte André. Parte importante do recorte vem de nomes que tiveram mostras e obras apresentadas nas históricas salas expositivas do espaço, com mais de 60 anos de atuação contínua no circuito paulistano – a fundação remonta a 1959, quando ainda se localizava no Centro de SP.

“Chama a atenção o grupo de pintores irmanados nessa tendência [surrealista] que estiveram presentes nesses 60 anos de história (…) Essa pintura surrealista, hoje em parte esquecida pela história da arte brasileira, desfrutava na época um reconhecimento considerável. E, neste sentido, quase todos os artistas citados possuíam uma carreira artística de exposições nacionais e internacionais, com participações constantes nas Bienais de São Paulo e mostras em museus”3, escreve a crítica Taisa Palhares no ensaio Sessenta anos de colecionismo na capital paulista, no livro comemorativo da sexta década da André.

E continua Palhares: “É preciso notar que essa retomada da figuração telúrica desde o final dos anos 1960 é vista como de vanguarda por certa parcela do meio artístico: uma espécie de reação à tecnologia e à degradação da vida cotidiana, numa ‘atualizada fuga para o mundo da fantasia, do sonho e da magia’ – era dessa maneira que o texto de apresentação do Brasil na 10ª Bienal de São Paulo [em 1969] caracterizava a contemporaneidade dessa tendência”4.

Assim, na história da galeria, ganharam individuais os hoje pouco expostos Eduardo Torassa (1987), Roni Brandão (1983) e Philip Hallawell (1976). Deste, a André foi precursora em lançar um convite-catálogo, com reproduções de trabalhos da exposição e textos críticos, uma novidade naqueles anos e que se tornaria usual tempos depois. Dele, são exibidos desenhos e pinturas não exibidos faz décadas.

De Michinori Inagaki (19-202), surge um conjunto inédito de telas que passeiam pelo fantástico, diferentemente do hiper-realista já mostrado nos espaços expositivos da galeria ou do conceitual presente em edição da Bienal de SP, por exemplo.

Também vêm com força nomes incensados em âmbito internacional, como Octavio Araujo (1926-2015), mapeado em publicações de gigantes como a Tate Modern e seu Surrealism beyond borders (2022), o ítalo-argentino Vito Campanella (1932-2014), com individual no espaço paulistano já em 1978 e presente em coleções de museus prestigiados mundo afora.

Aluna de Jorge Mori (1932-2018), a muito atuante Sonia Menna Barreto trafega pela pintura com apuro e ousadia no tridimensional e se filia às temáticas surrealistas com persistência e expressivos resultados plásticos.

Relevante presença é de peças pertencentes a coleções privadas nacionais, que gentilmente cederam a permissão para a mostra. Assim, gigantes como Joan Miró (1893-1983), Salvador Dalí (1904-1989) e o metafísico Giorgio de Chirico (1888-1978) são expostos agora, possibilitando ao público a proximidade de obras observadas somente em círculos restritos, mesmo caso do trabalho de Marcello Grassmann (1925-2013) participante de Surrealismo, 100.

E surpreendem fases menos conhecidas de nomes como o da gaúcha Sonia Ebling (1918-2006), que em seus anos parisienses experimentou visualidades e conceitos bastante arrojados, e os injustamente não tão prestigiados Fernando Odriozola (1921-1986) e Walter Lewy (1905-1995), ambos com obras de alta qualidade no recorte atual.
O público também pode se surpreender com o notável conjunto de pinturas e tridimensionais de Claudio Aun e as incursões dos emergentes pintores Diana Motta, paulistana radicada em Chicago (EUA), e Thiago Klumb, radicado em Ribeirão Preto (SP).

Os dois têm referências e práxis outras, como o abstrato (Motta) e a proximidade com o vernacular (Klumb), mas produzem um pictórico receptivo a ligações não usuais com a temática da mostra atual. Provam, então, que os escritos algo frenéticos de Breton não perdem esse vigor e frescor da criação da obra de arte.

“Resumindo: o maravilhoso é sempre belo, qualquer maravilhoso é belo; na verdade, só o maravilhoso é belo. O que é admirável no fantástico é que ele já não é fantástico: o que há é apenas o real”5, crava Breton, para além do premonitório, em texto de 1934. /
Mario Gioia, agosto de 2024

1.BRETON, André. Manifesto Surrealista, 1924. Marxists Internet Archive, 2024. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/breton/1924/mes/surrealista.htm>. Acesso em: 28 de ago. de 2024.
2.BRETON, André. Manifesto Surrealista, 1924. Marxists Internet Archive, 2024. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/breton/1924/mes/surrealista.htm>. Acesso em: 28 de ago. de 2024.
3.VÁRIOS. Galeria de Arte André 60 Anos, 1959-2019. São Paulo, Galeria de Arte André, 2019, p. 63.
4.VÁRIOS. Galeria de Arte André 60 Anos, 1959-2019. São Paulo, Galeria de Arte André, 2019, p. 75.
5.CHIPP, H.B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1993, p. 419.

 

Pontos Relevantes

• Celebração do Centenário — A exposição marca os 100 anos do Manifesto Surrealista, revisitando a história e o legado desse movimento fundamental para a arte moderna.
• Diversidade de Artistas — Reúne obras de artistas consagrados como Dalí, Miró e De Chirico, além de artistas brasileiros menos conhecidos, promovendo uma visão mais abrangente do Surrealismo.
• Resgate de Artistas Mulheres — A exposição destaca a contribuição de artistas mulheres para o Surrealismo, muitas vezes marginalizadas na história da arte.
• Conexão com a História da Galeria André — A curadoria estabelece um diálogo entre as obras e a história da Galeria André, que sempre foi um espaço de apoio ao Surrealismo no Brasil.
• Atualidade do Surrealismo — A exposição demonstra a perenidade do Surrealismo, mostrando como suas ideias e estéticas continuam a influenciar a arte contemporânea.

 

Serviço
Abertura da exposição Surrealismo, 100 – A mão, o olhar e a ideia em movimento
Dia 28 de setembro, sábado, das 11h às 15h
Até 26 de outubro
Curadoria de Mario Gioia

Horário de funcionamento
De segunda a sexta, das 9h às 19h
Sábados das 10h às 14h

Galeria de Arte André
Rua Estados Unidos, 2.280
Jardim Paulistano
01427-002 – São Paulo – SP
(11) 3081-9697 / 3081-3972 / 3063-0427
https://galeriandre.com.br/

 

Contato:
Galeria de Arte André
(11) 3081-9697
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