Estudo acusa fraudes no comércio de madeira nobre no Pará
Proprietários de terras na porção leste da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, podem estar burlando o sistema de controle de retirada de madeira de lei – é o que dizem pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, por meio de artigo publicado em 15 de agosto na revista científica Science Advances.
“O volume de madeira declarado nas licenças de corte foi, no geral, muito superior ao esperado para as florestas da região”, conta o engenheiro agrônomo Pedro Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais da Esalq, que liderou o estudo. “A discrepância foi ainda maior para as espécies de madeira mais valiosa e se concentrou em planos de manejo assinados por alguns poucos engenheiros, o que aumentou as suspeitas de fraude.”
Seu grupo analisou mais de 400 inventários de fazendas no Pará e os comparou aos levantamentos de 11 espécies de árvores a partir de dados do Projeto Radar da Amazônia (Radam), criado na década de 1970 para mapear recursos minerais, vegetais, ocupação e uso do solo amazônico usando tanto radar como amostragem em solo.
Os resultados indicam que há grandes chances de fazendeiros e engenheiros estarem declarando árvores-fantasma, que na verdade não existem, sobretudo de espécies mais nobres, como jatobás e ipês. A medida engordaria o limite de corte permitido por lei, que exige que cada propriedade retenha ao menos 10% do total de árvores com potencial de corte.
A quantidade máxima de madeira que se pode extrair por hectare de uma propriedade também é regulamentada e chega a 30 metros cúbicos (m3). Regiões da floresta tropical onde ipês são típicos contêm, no máximo, uma dessas árvores (equivalente a cerca de 5 m3) a cada 2 hectares. “Alguns planos de manejo declaram haver dois ipês por hectare”, diz o biólogo Saulo de Souza, do grupo da Esalq.
Apreensões do Ibama e uma investigação feita pela organização não governamental Greenpeace indicam que as árvores adicionais seriam cortadas em reservas indígenas, unidades de conservação, terras devolutas e áreas ribeirinhas, onde a extração não é permitida.
O esquema funcionaria como uma “lavagem de madeira”, que dá um selo de legalidade ao material ilegítimo e permite sua distribuição aos grandes centros consumidores de madeira do Brasil e do exterior. “Às vezes, uma árvore simplesmente não existe no lugar descrito no plano de manejo”, conta Souza, que foi a campo verificar irregularidades. “Em outros casos, o fazendeiro declara um ipê onde há uma tanimbuca, chamada ipê-de-pobre, e na hora da venda substitui o tronco barato por madeira rara vinda de território indígena.”
O exemplo concreto sai de seis propriedades examinadas em campo devido a grandes discrepâncias aparentes, que abrangem 671 mil hectares na região de Santarém. “Foi autorizada a extração de 2.189 m3 de ipê”, detalha Souza. “Porém, com as verificações de árvores imaginárias e superestimativas de diâmetro, entre outras, podemos dizer que eles inflaram esse número em pelo menos 40%, chegando até 50%.” Com base nisso, os pesquisadores calculam que algo como 1.000 m3 de créditos de madeira de ipê eram falsos e poderiam servir para legalizar a madeira obtida em áreas não autorizadas.
Depois de ser cortada, transportada e processada, a madeira de origem ilegal vai principalmente para a região Sudeste, para a Europa e os Estados Unidos legalmente, em geral para a fabricação de pisos. A madeira do ipê, por exemplo, chega a valer US$ 1.000 o m3. Os pesquisadores estimam que o comércio de madeira nas propriedades estudadas rendeu US$ 52 milhões ao longo do período estudado, entre 2012 e 2017. Isso equivale a um volume de quase 3 milhões de m3 de madeira oriunda de 482 mil árvores.
Segundo os pesquisadores, essa prática é comum na região e leva à degradação do ecossistema florestal, afetando seu papel na regulação do clima e das chuvas (ver Pesquisa FAPESP nº 226). “Em áreas de fronteira agropecuária, no Pará, a extração seletiva de madeira antecede o desmatamento”, diz a ecóloga Maria Isabel Escada, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que não participou do estudo e é especialista em sensoriamento remoto do uso do solo amazônico.
Por não deixar rastros muito maiores do que uma clareira, a exploração madeireira ilegal é mais difícil de rastrear por satélites do que o desmatamento e representa uma ameaça silenciosa à biodiversidade da floresta. De acordo com os pesquisadores, a atividade pode desencadear incêndios e, dependendo da intensidade, modificar as condições climáticas locais e as características e organismos da floresta. Como a exploração é mais intensa em espécies de maior valor comercial, a atividade pode acarretar sua extinção nas áreas em que ocorre.
Regulamentação – A lei define que os ciclos de colheita – tempo entre a primeira e segunda extração de uma árvore adulta – devem variar entre 25 e 35 anos, respeitando o tempo de recuperação da floresta. Mas a norma pode ser insuficiente, por não levar em consideração as estratégias de vida de cada espécie. “Em um ciclo de 120 anos o ipê recuperaria apenas 18% do volume colhido”, explica o engenheiro agrônomo Edson Vidal, da Esalq. “Já o jatobá recuperaria mais de 100%.”
Para atacar o problema e estimular o extrativismo sustentável, a equipe da Esalq recomenda um novo sistema eletrônico para registrar e administrar as autorizações de exploração, disponibilizando as informações em um portal que permita o confronto de dados e solicite uma verificação de campo em caso de suspeita. “Também sugerimos um sistema mais eficiente de vistorias em campo e uma moratória de madeira”, diz Souza. “A exploração madeireira é uma atividade econômica legítima e não tem que ser proibida, mas bem regulamentada e fiscalizada”, completa Brancalion.
Projeto – Restauração ecológica de florestas ciliares, de florestas nativas de produção econômica e de fragmentos florestais degradados (em APP e RL), com base na ecologia de restauração de ecossistemas de referência, visando testar cientificamente os preceitos do Novo Código Florestal Brasileiro (nº 13/50718-5); Modalidade Projeto Temático; Programa Biota; Pesquisador responsável Ricardo Ribeiro Rodrigues (USP); Investimento R$ 2.650.033,32.
Fonte: Victória Flório / PesquisaFapesp