Liceu de Artes e Ofícios comemora 145 anos e inaugura novo Centro Cultural na Luz. Espaço será aberto com duas mostras que destacam a relevância histórica da instituição e grandes nomes do design brasileiro

Novo Centro Cultural do Liceu

No dia 11 de agosto, São Paulo ganha um centro cultural singular, com uma proposta inovadora. Em comemoração aos seus 145 anos, o Liceu de Artes e Ofícios, uma das mais tradicionais instituições brasileiras de educação, entrega à cidade um espaço multiuso, voltado principalmente à celebração e reflexão sobre o Design, campo que dialoga diretamente com sua história.

A inauguração do Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios (CCLAO) será marcada pela abertura de duas exposições inéditas: História e Memória, que destaca a relevância do Liceu enquanto referência pelo ensino técnico profissionalizante, e Design Brasil Século XXI, mostra que reúne mobiliário e objetos criados sob o preceito da sustentabilidade, obras de grandes nomes do design brasileiro.

Situado no bairro da Luz, no centro da capital, o Centro Cultural do Liceu ocupa o mesmo espaço onde funcionou entre 1980 e 2000. Em 2014, quando então abrigava o acervo da instituição, o prédio foi consumido por um incêndio de grandes proporções, que lhe causou grandes prejuízos estruturais.

“O incêndio veio de uma maneira traumática, porém nos levou a uma retrospecção maior em relação ao que se espera desse espaço. Das cinzas, surgiu a vontade de transformar o local, mantendo-o, ainda assim, ligado à sua essência. Hoje, temos orgulho de poder brindar São Paulo com um centro cultural moderno, que vai se prestar muito para as próprias atividades da escola, para eventos culturais, sociais e abrigar ainda o acervo do Liceu”, comenta Livio de Vivo, presidente do Conselho do Liceu de Artes e Ofícios.

Projetado pelo arquiteto Ricardo Julião, o atual CCLAO manteve as principais características arquitetônicas do espaço. Do prédio original, permanecem o pórtico, os pilares e toda a estrutura metálica que até então sustentava a edificação – agora como componente meramente decorativo. “Precisávamos reconstruir esse espaço com o dever de preservar esses elementos como memória do Liceu e também da cidade de São Paulo”, pontua o arquiteto.

Apesar dos traços originais que permanecem como vestígios de uma história, o projeto concebido por Julião atribui ao prédio um olhar moderno, contemporâneo. “Nossa ideia foi criar dois pórticos, mantendo o antigo, mas oferecendo também uma nova entrada para o século XXI. Esses dois elementos são ligados por horizontais, que reforçam a ideia de termos aqui, a fusão de duas épocas”, afirma. O espaço possui ainda proteção térmica e acústica adequadas e é equipado com um moderno sistema de luz, que permite a combinação de cenas diversas.

–Programação – Quem assina a programação inaugural do novo CCLAO é a curadora Denise Mattar. Seu projeto divide-se em três tempos: o Ontem, o Hoje e o Amanhã, abarcando não apenas as duas mostras simultâneas e complementares, mas também a organização e promoção de um ciclo de debates e palestras, que tomará como tema os novos desafios e a proposição de soluções pelo e para o design contemporâneo.

“Ao longo de sua história, o Liceu caracterizou-se como um espaço formador cruzando Artes e Ofícios. Os produtos das oficinas de marcenaria e serralheria eram conhecidos pela qualidade técnica e artística e inserem-se na sua essência na categoria de Design. Uma das características da produção criativa de designers brasileiros está no fazer experimental, artesanal, sem atingir necessariamente um patamar industrial, situando-se na sua imensa maioria no imbricamento entre Artes e Ofícios”, pontua a curadora. “Dessa forma, ao pensar o novo Centro Cultural Liceu, o Design surge como campo privilegiado para criar uma reflexão sobre a continuidade da tradição do Liceu e sua inserção na atualidade, na qual a sustentabilidade é o foco”.

O Ontem – Com duração de um ano, a exposição História e Memória apresenta ao visitante uma linha do tempo que parte de 1873, data da fundação da Sociedade Propagadora de Instrução Popular, organização que deu origem ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Criada por um grupo paulista ligado à cultura cafeeira da então Província de São Paulo, a instituição surgiu com o intuito de oferecer à população educação gratuita de qualidade, criando condições para a democratização da cultura, a valorização dos princípios éticos, o conhecimento técnico e a capacitação para o trabalho. A linha do tempo finaliza em 2018 demonstrando que, embora as oficinas não mais existam, a missão educativa do Liceu não acabou, pois a instituição é considerada a melhor escola técnica do Brasil.

A mostra foi concebida a partir do acervo do próprio Liceu: são centenas de peças e documentos – todos intimamente ligados à história daquela que é tida como uma das mais tradicionais instituições de ensino do país. O espaço expositivo, por sua vez, divide-se em pequenos núcleos, de modo a facilitar o percurso e a visualização de uma linha do tempo pelo visitante.

De um lado, o registro de cada um dos ofícios oferecidos pelo Liceu. Fotos, documentos, desenhos, mobiliários, réplicas e esculturas em gesso apresentam ao público uma produção de época, fruto das oficinas de serralheria, marcenaria, cerâmica, modelagem e desenho. Do outro, a revelação da intrínseca relação da instituição com São Paulo. Ao centro, uma detalhada descrição de sua história, com o destaque da implementação de cursos variados, criações inéditas – a exemplo do primeiro hidrômetro nacional -, realizações de exposições e projetos comissionados, além da indicação de prêmios recebidos por sua produção de qualidade singular.

Entre os projetos públicos realizados pelo Liceu estão a execução do mobiliário de todas as dependências do Teatro Municipal de São Paulo, assim como as decorações em estuque, bronze e ferro do edifício projetado por Domiziano Rossi. O Monumento a Duque de Caxias, escultura de proporções monumentais desenhada por Victor Brecheret e instalada na Praça Princesa Isabel, no centro da cidade, é outro filho do Liceu. A estátua, em bronze patinado, foi fundida nos galpões da instituição.

O Hoje – Curada pela designer Fernanda Sarmento, a exposição Design Brasil Século XXI evidencia a produção contemporânea que tem a sustentabilidade como essência. Os projetos expostos apresentam soluções que visam reduzir os impactos ambientais nas diversas etapas do processo, da elaboração ao descarte de produtos e objetos.

“A percepção da crescente escassez de recursos naturais tem levado a cultura do design a uma redefinição dos modelos de produção e consumo, fomentando uma mudança de posição por parte do designer, que não mais se pauta exclusivamente em projetar para atender aos desejos da sociedade de consumo”, explica Sarmento.

A exposição, em cartaz até novembro, apresenta cerca de 50 móveis e objetos – trabalhos de grandes nomes do design brasileiro, como Irmãos Campana, Marcelo Rosenbaum, Domingos Tótora, Inês Schertel, Baba Vacaro, Zanini de Zanine, Brunno Jahara, entre outros. Também com um viés didático, a mostra se divide em cinco categorias que ilustram diferentes abordagens do processo criativo e de produção: reaproveitamento de materiais renováveis e de recursos naturais; redução de materiais e consumo de energia; redução de descartes industriais; reciclagem de resíduos e o repensar da inclusão social, produtiva e cultural.

No primeiro módulo, destacam-se, por exemplo, o Banco Caruca, de Hugo França, concebido a partir de troncos de pequi, e o charmoso pufe da designer Fabíola Bergamo, feito com o reaproveitamento de serragem.

De Lucia França e Roberto Romano Amadio, o Banco-Escada Tatu, que reduz a utilização de materiais com o aproveitamento de uma peça única, que cumpre as funções de banco, mesa, estante e escada, de acordo com a sua disposição. Também do segundo módulo, a Mesa W, da Marcenaria Baraúna. A mesa em ipê maciço certificado e vidro faz uso de pequenos e poucos caibros de madeira que, quando bem combinados, são suficientes para o apoio e suporte necessário da peça.

No campo da reutilização de descartes industriais, a Poltrona Moeda, de Zanini de Zanine, produzida a partir de chapas descartadas pela Casa da Moeda – resíduo remanescente da fabricação de antigas moedas de 10 centavos de Real. Da categoria de reciclagem de resíduos, vasos e mobiliários de Domingos Tótora, que faz uso de uma massa moldável à base de papelão para suas criações e, ainda, a Luminária Currupio, de Erico Gondim, concebida a partir da reciclagem de sacos plásticos que, prensados, transformam-se em nova matéria-prima, utilizada para a criação de uma peça cheia de personalidade.

Por fim, no módulo que reflete uma série de projetos que, de alguma forma, colaboram para a inclusão social e cultural de artesãos brasileiros, o Banco Cangaço, peça dos Irmãos Campana, produzida em colaboração com o mestre artesão Espedito Seleiro, do Ceará.

O Amanhã – Ao longo de toda exposição temporária, o Centro Cultural receberá uma série de palestras e oficinas que irão possibilitar ao público o contato direto com os mais importantes nomes nacionais e internacionais da área do design. Juntos, eles irão propor uma série de discussões e reflexões acerca dos desafios enfrentados pelo setor na contemporaneidade, sempre buscando o desenvolvimento de ideia criativas, funcionais e sustentáveis.

A programação paralela terá início em setembro e será divulgada posteriormente.

O antigo Centro Cultural – Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o Brasil passou a receber novos imigrantes, técnicos especializados que chegaram em busca de uma pátria, com novas ideias e habilidades. Desse contexto, surgiram empresas que adotaram técnicas de produção em escala, com custos menores aos do Liceu, cuja produção era essencialmente artesanal.

Gradativamente, a instituição foi modificando o perfil de sua produção, adaptando-se aos novos tempos. Passou a produzir móveis de escritório, com menos ornatos e maior funcionalidade. Pouco a pouco, os espaços monumentais onde formaram-se milhares de oficineiros, caíram em desuso. Surgiu então a ideia da construção de um Centro Cultural com o objetivo de resgatar a imagem de um centro de formação artística, da qual o Liceu havia se distanciado.

Assim, sob a curadoria do crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, surgia em 1980 o Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios. A inauguração foi marcada pela estreia de Arte é Humanismo, espetáculo de luz e som associado à coleção de esculturas em gesso do Liceu, reproduções de algumas das maiores obras da arte ocidental, entre as quais David e Pietá, de Michelangelo.

O espaço funcionou por 20 anos, até 2000, quando encerrou suas atividades. Em 2014, o prédio foi consumido por um incêndio de grandes proporções. Na ocasião, além dos prejuízos estruturais, o fogo danificou também as réplicas escultóricas em gesso, parte delas agora restaurada.

“Logo após o incêndio, fizemos um primeiro diagnóstico e seguimos com um trabalho piloto para avaliar exatamente os processos que deveriam ser empregados e, assim, otimizar os trabalhos”, conta Julio Moraes, técnico responsável pelo restauro das obras.

Para a atual exposição foram recuperadas 6 das 28 peças atingidas. A primeira delas, uma réplica de Pietá. “O maior trabalho foi o de consolidação interna do gesso, que estava todo fragmentado, abrindo em direção à base. Tivemos de fazer uma nova estrutura, agora metálica e interna, para dar estabilidade à réplica”, explica.

Serviço
Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios
Exposição Percurso Histórico, curadoria de Denise Mattar
De 11 de agosto de 2018 a julho de 2019
Exposição Design Brasil Século XXI, curadoria de Fernanda Sarmento
De 11 de agosto a 01 de dezembro
Endereço: R. Cantareira, 1351 | Luz | São Paulo
Visitação: De terça a sábado, das 12h às 17h
Ingresso gratuito
(11) 2155-3300
CCLAO